terça-feira, 31 de julho de 2007

Trecho do conto "A Dinastia"


"William entrou na cripta escura.
A primeira coisa que sentiu foi o cheiro -– um cheiro meio empoeirado, meio de mofo, que fez o herdeiro lembrar de coisas há muito estagnadas, como pântanos, águas turvas paradas, flores mortas boiando na água, decomposição, pó. O ar que sentia, ali, era definitivamente pesado, e William também notou, quase imperceptivelmente por baixo desse odor embolorado, um cheiro
levemente acre e azedo característico das tumbas antigas, o cheiro que era esperado num lugar como aquele, o da natureza fazendo sua inexorável caminhada em direção à decomposição
e decadência: o cheiro da morte.
A idéia de corpos solitários deitados em caixões decompondo-se no escuro assustou-o, e William teve um arrepio.
Logo, percebeu também a magnitude do silêncio do lugar. Era um silêncio sepulcral, realmente sepulcral. Inspirava respeito, como que dizendo para o jovem: veja, isto aqui é o repouso final
de todos nós; tivemos uma vida, uma história, mas agora, estamos aqui, dentro desses frios blocos de mármore. Então, façamos silêncio. Na verdade, a partir do momento em que William
trespassou os pés das colunas de pedra e adentrou a cripta propriamente dita, era como se tivesse adentrado em um outro mundo, diferente daquele em que estava, cheio de movimento,
luzes e todo tipo de barulhos. Ali, deixara esse mundo animado para trás; agora, era aquele mundo, o mundo do mausoléu que contava, e, em segundos, passara de um lugar cheio de ruídos,
cheio de vida, para o silêncio lúgubre dos mortos, onde a areia do tempo escorria bem devagar, quase parando, o mármore frio tomava conta, fazia estremecer, e as lápides reinavam, contando
seus nomes e suas datas em voz grave. A música da festa cessou totalmente às suas costas. Agora, tudo ali era escuridão e silêncio, um silêncio tão grande que quase se poderia tocá-lo e rompê-lo.
Era o mundo do sepulcro que contava.
William sentiu a boca seca. Seus olhos não podiam enxergar nada, pois ainda não estavam acostumados à escuridão, mas ele decidira que talvez não gostaria de ver nada. Sua mente ébria
pelo álcool e pelo nervosismo que sentia dava voltas, e não gostaria de ir mais adiante, com medo de que ossos, ossos frios de austeros antepassados pudessem tocá-lo, e então ele morreria em cinco segundos, pois seu coração não agüentaria tamanha emoção, e com toda a certeza explodiria. Quase isto aconteceu, pois de repente uma mão fria saiu das trevas sepulcrais e tocou
seu ombro."

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