quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Trecho do conto "Eu Fui Um Monstro Adolescente"


"Patrícia disse essa frase num tom de blague, de ironia, mas então Patrícia viu. Patrícia viu a modificação no rosto da sua irmã -– de repente Carolina estava parada, olhando para ela com
o semblante triste; num outro momento sua cara começou a se retorcer toda, sozinha, a mexer de cima para baixo e para os lados, por dentro da face, como se houvesse enormes insetos
rastejando por debaixo da pele, fazendo protuberâncias que se mexiam. Mas não eram insetos; era a própria pele de Carolina que se retorcia tentando se adaptar em poucos segundos à sua
nova-antiga realidade. Seus olhos viraram, mostrando o branco e repentinamente caíram para dentro do crânio, como se neste houvesse um buraco onde o olho pudesse fazer aquilo livremente. O fato é que os olhos caíram para dentro e sumiram. Rugas imensas, entremeadas com estranhos pêlos, que pareciam ásperos e pontudos, começaram a aparecer por toda a sua testa, e, por que não dizer, por todo o seu corpo também. Seu lindo cabelo loiro caía da testa e do couro cabeludo. Ao ver isso Patrícia pensou que parecia que estava a ver um velho em acelerado
processo de decomposição. Suas narinas e sua boca repuxaram para os lados da orelha, que também estava se espremendo, num terrível esgar, e Patrícia percebeu que a verdadeira face do mutante estava tentando sair, e isso dependia daquele tremendo esforço que sua irmã estava fazendo. Quando a cara de Carolina ficou enrugada e sem olhos, apenas com o buraco preto, uma
espécie de tromba pegajosa, parecida com a boca de uma lampreia ou a de um verme asqueroso, começou a inflar no meio da sua face. A nova “boca” abriu-se aos poucos, e Patrícia viu lá dentro uma baba verde e gosmenta, nada lembrando o líquido comum de uma saliva humana. Suas costas começaram a arquear, como se exatamente naquele momento Carolina tivesse ficado
corcunda, o que dava uma aparência ainda maior à protuberância no centro de sua face, que já estava grande. E a transformação continuou no resto do corpo: seus braços começaram a encolher para dentro do tronco, como se Carolina estivesse contando uma piada de alguém sem braços, e eles encolheram e ficaram parecidos com os de um tyranossauro rex, inúteis. Sua roupa
estava se rasgando devido às imensas rugas que a pele do ser extraterrestre deixavam ao sair, uma pele verde, sebosa, espalhada. Os fiapos de pano e tecido caíam no chão. O tronco de Carolina começou a crescer para os lados, e seus pés e pernas foram fundindo-se até ficarem uma coisa só, um órgão só. Primeiro, os pés iam ficando achatados, como que amassados
por poderoso martelo; depois, as unhas caíam (ou melhor, pulavam para fora da antiga-nova pele) e juntavam-se então com um ruído realmente nojento. A mesma coisa com suas pernas e
joelhos, que se uniram e esparramaram as enormes rugas com os pêlos ásperos para fora para manter o equilíbrio da coisa.

Por fim, a cara dela inteira foi se espremendo para dentro e depois desapareceu, ficando só a “tromba” com os dentes afiados, sem olhos, sem nariz, sem braços e pernas, sem nenhuma aparência de ser humano, um verme que se mexia em movimentos espasmódicos e irrequietos, desacostumados com o ambiente. Seu corpo era o de um bizarro tronco de árvore que não fora adaptado para andar neste planeta."

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