sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sobre o Dia das Bruxas





Ultimamente há uma grande discussão sobre o Halloween, o Dia das Bruxas, aqui no Brasil. Existem aqueles que dizem que não devemos comemorar esta data, porque nosso país não teria nada a ver com essa festividade, considerada como simples "importação" cultural, modismo, ou um desrespeito às tradições brasileiras. E há os que simplesmente fazem o Halloween, dizendo não ser nada demais, e portanto não representando "perigo" à cultura nacional.

Lembro que lá por 1996, 1997, nada havia sobre o Dia das Bruxas. A data era lembrada por um ou outro veículo de mídia, às vezes alguma emissora
de TV passava um filme de terror, mas ficava por aí. Havia também o jurássico vírus de computador chamado Halloween (vixe, alguém se lembra?) que ficava adormecido no PC e só atacava no dia 31 de outubro. Dia da criançada ganhar doces, por aqui, era a tradição católica de Cosme e Damião... será que ainda tem? Eu recordo quando recebi doces de Cosme de Damião de uma senhora muito simpática, que nem conhecia, muito antes das pessoas saberem o que é Halloween e suas tradições. Agora com o Dia das Bruxas, a criançada ainda recebe doces, porém mudou-se da tradição católica para a pagã...

Mas naquela época somente os fãs de terror lembravam da coisa. Ah, que tempos heróicos aqueles. Sem uma internet para pesquisar, tínhamos que garimpar informações "na raça". Havia somente o Cine Trash, que fazia a alegria de nossas tardes, com o Zé do Caixão. Especificamente sobre o 31 de outubro, talvez só o filme do John Carpenter trazia alguma lembrança. Na noite de um desses Halloweens, lembro de ter comentado com um amigo, Paulo, que o Dia das Bruxas ainda seria comemorado aqui no Brasil. Ele discordou. Achava que não. Eu pensava diferente: que era uma questão de tempo.

Os anos foram passando, e principalmente nos grandes centros urbanos, algumas festas comemorativas começaram a pipocar aqui e ali, ainda que de maneira tímida. Mais tempo se passou, e mais festas foram organizadas, a imprensa começou a lembrar com mais regularidade, e uma rede de informações começou a se formar. Já na era da internet, a data "pegou". Hoje,
em prédios, aqui em Sampa, as pessoas já compram doces para as crianças que batem à porta dizendo "doces ou travessuras", há uma programação de filmes dedicados à data, as festas à fantasia estão mais vivas do que nunca, e até na TV aberta já se encontram cenários decorados para o Halloween. "Pegou" mesmo. Será que daqui a alguns anos teremos abóboras sinistras (as famosas jack o' lanterns) na janela das casas no 31 de outubro?

Fiz esse preâmbulo para lembrar que houve um processo de assimilação da data, e esse processo levou anos, não foi repentino nem é um modismo. Ainda está restrito, creio, às grandes capitais e à garotada, mas o fato é que se não houvesse procura pela coisa, o Dia das Bruxas passaria em branco, o que já não acontece.

O necessário agora, é, talvez, um processo de adaptação da cultura do Halloween (que tem suas origens não nos EUA, mas nas tradições dos antigos povos celtas) para a nossa. O Dia das Bruxas ainda é uma data "cara" e que causa certa estranheza. Precisa se popularizar, cada vez mais. Para isso, precisamos adaptar a data ao Brasil, e não o contrário. Nossa cultura há de ser preservada sem nenhum detrimento do "espírito" (hehehe) original da festa. Claro que há casos e casos. Ficaria puto, por exemplo, se ao invés do Halloween decidissem "importar" o tal do Dia de Ação de Graças (Thanksgiving Day), essa sim, uma data sem nenhum sentido para nós, sem nenhuma ligação histórica ou emocional que justificasse uma imitação idiota e colonizada. Mas,
e se abrasileirássemos o Dia das Bruxas? Nós, brasileiros, temos uma "cultura do mistério" muito rica, principalmente no nosso interior, que está marcado por lendas, boatos, criaturas estranhas, histórias de medo e suspense para John Carpenter nenhum botar defeito (José Mojica Marins, o Zé do Caixão, clama que foi ele quem criou a famosa lenda da 'loira do banheiro' - mais detalhes em outro post). Enfim, porquê não adequar o Halloween à elas? Há algum problema nisso? Lembrando sempre que o futebol não é invenção nossa, e na época em que que chegou por essas bandas era muito criticado como sendo "coisa de ingleses" e "mania de ricos". Muita gente boa foi nessa onda, como por exemplo o escritor Lima Barreto, de quem gosto muito, mas que não entendia o porquê de 22 marmanjos darem "doudos pontapés numa bola", como se escrevia na época. Desnecessário dizer que o futebol ganhou adeptos, popularizou-se e hoje é uma bela expressão da arte e da inventividade brasileiras, reconhecidas de maneira internacional.

Mas o futebol não é "cultura", dirá você; é "esporte". Mas e o samba? Ritmo brasileiro por excelência, teve suas origens nas danças de roda dos escravos trazidos da África e era tocado apenas nas senzalas. Também foi muito discriminado, mas assimilou-se e ganhou seu lugar na cultura popular. E o carnaval, hoje, faz o caminho contrário: foi "exportado" para muitos países! Claro que nem sempre com a mesma empolgação ou originalidade brasileiras - mas isso indica como uma expressão cultural pode ser trazida de fora, assimilada, adaptada e finalmente "recriada" com elementos próprios de cada país. No caso do Halloween, a minha convicção é que o Terror é universal, e não há monopólio desta ou daquela nação.

Por esses motivos, sou a favor da comemoração do Dia das Bruxas sim; porém, somente o tempo dirá se a data será finalmente assimilada de maneira total e aculturada para se tornar mais uma festa brasileira. E agora, chega de papo! Comemoremos o dia de sentir medo. Um feliz Dia das Bruxas para todos!

Fiquem com um trailer, feito por um fã, de Halloween 4, o primeiro filme em que vi o louco da máscara sem expressão, senhoras e senhores... Michael Myers.

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