terça-feira, 31 de julho de 2007

Trecho do conto "A Mais Longa das Noites"


"Roger depois contou aos outros que sentiu um cheiro assim como o de carniça ou como de chorume num saco de lixo e então a face horrivelmente decomposta de um zumbi apareceu diante dele, a uns dois metros de distância, no portão, gemendo, depois de anos e anos debaixo da terra úmida, de modo que se via seu rosto dilacerado e seu crânio partido. Roger gritou “"Porra!"” pelo walkie-talkie, mas não era preciso. Seu berro foi alto o suficiente para alertar Henrique, lá atrás, na retaguarda, e Gilberto, que estava dentro da casa ouvindo rádio, vendo televisão e pesquisando sobre o assunto na Internet ao mesmo tempo. Roger atirou por reflexo,
mas esse primeiro tiro passou longe da coisa (“Quase me caguei”, confessou Roger meio envergonhado depois). O tiro subiu e se perdeu. O som do tiro foi muito alto na noite escura. Depois, o gemido do zumbi. Isso ‘acordou’ Roger. Com o coração aos pulos, fez pontaria e atirou bem na cabeça da coisa.
A espingarda calibre 12 não é uma arma de descarga rápida, nem muito precisa, mas incrivelmente poderosa, se disparada a curta distância. A cabeça daquela coisa praticamente explodiu, como um melão sendo jogado no chão de uma grande altitude. Vermes, restos de miolos e sangue voaram em todas as direções, salpicando a camisa e o rosto de Roger. Mãos em farrapos, com um anel de formatura da Faculdade de Ciências Políticas num dos dedos, ainda se seguraram no portão por um instante, depois se soltaram e o resto do corpo caiu na calçada, exatamente como Gilberto havia previsto: como um pano molhado, imóvel.
Esse foi o primeiro.
O próprio Gilberto assomou à janela do quarto que dava para o front, e falou, assustado, os olhos saltando das órbitas:
– - Porra, mas o que...
E calou-se, ao ver toda aquela sujeira no chão. Acontecera.
"Mas como?? Eu calculei tudo! Eu calculei tudo direitinho! Isso não pode ser! Não pode acontecer! Eles demorariam muito para chegar até aqui!... Como eles...? Eu... Eles...? Eu..." – e seus pensamentos se perderam, confusos, ao pegar apressadamente a escopeta que estava encostada na escrivaninha.
– - Roger... -– tentou chamá-lo, mas este já estava encarapitado em cima do muro, olhando para os dois lados da rua, com uma cara ao mesmo tempo desesperançosamente incrédula e assustada.
– - Meu Deus! Estou vendo as malditas coisas! -– gritou ele, lá de cima do muro.
E Henrique, que olhava pelo binóculo para a rua e previra a cena um segundo antes, causava lástima. Com a boca aberta e os olhos arregalados, quase babava, pois, ao piscar seus olhos uma vez (como para ter certeza de que aquilo estava realmente acontecendo) e olhar novamente pelo binóculo para a rua, viu uma coisa que iria perseguí-lo mais tarde, em pesadelos. A rua estava completamente repleta deles. Estava cheia, tomada de zumbis, de um lado a outro da calçada. Vinham lentamente, quase se arrastando, em bloco, suas cabeças pendendo para um lado como boxeadores prestes a serem nocauteados. E de onde Henrique estava pôde ouvir seus gemidos claramente, tamanha a quantidade de mortos-vivos."

Trecho do conto "A Noite do Lobisomem"


"Não ousava, não podia ousar dizer o nome do monstro. Assustar-lhes-ia ainda mais e mesmo ele não queria, não podia acreditar no que estava acontecendo, sendo perseguido por uma criatura, meio humana, meio lobo... um lobisomem. Estavam irremediavelmente condenados.
Começaram a correr, em desabalada carreira. Definitivamente estavam todos com um temor mortal. O pânico lhes roía a orla da mente com dentes de aço, tentando se apossar deles por
completo, até talvez fazê-los caírem no chão, gritando e se debatendo, sem reação, até que a criatura viesse e os pegasse. Mas o maior medo ainda estava no fato de que mais uma vez, e
de forma inevitável, poderia soar aquele latido sombrio... o lobisomem, clamando pela sua presa.
E correram e correram, passando por várias ruas e vielas estreitas, temendo que a cada esquina que dobrassem uma criatura grotesca e bestial saltasse sobre eles e lhes rasgasse a garganta. Exaustos, tontos e confusos, para eles as ruas começaram a confundir-se, como um labirinto em espiral no qual parecia-lhes que voltavam sempre ao mesmo lugar. E não poderiam pedir ajuda para ninguém, pois vivalma se arriscava a passar na rua na noite do lobisomem, e muito menos deixar suas casas abertas, como já haviam reparado antes. Por várias vezes eles sacudiram os portões das casas com uma fúria movida pelo medo, gritando por socorro, mas nada conseguiram. As casas se mantinham em obstinado silêncio, e os pesados portões, na maioria das casas, terminavam em pontas de flecha bastante afiadas, sendo impossível saltarem, e todos eles estavam fechados com resistentes correntes e cadeados... os donos talvez já sabendo de uma possível imprevisibilidade como aquela. De modo que após um ou dois segundos sem resposta interna, deixavam o lugar e continuavam a correr, pois esperar mais era morte certa.
Em meio àquela louca correria, com seus pulmões em fogo e as pernas trêmulas, um pensamento subitamente brotou na cabeça do artista principal:
Então era POR ISSO que todas as casas estavam fechadas... ESTÃO fechadas... por causa que nenhum morador daqui iria arriscar-se a ter seu lar invadido por um lobisomem numa noite de lua cheia... e por falar em lua cheia, o que acontecerá quando ela surgir, toda, por detrás daquelas árvores do bosque, envolta por um punhado de nuvens escuras? Eu gostaria muito de saber.
Ele continuou pensando, num frenesi:
E todas aquelas histórias que nos contaram eram realmente verdade, e nós não quisemos acreditar, não as levamos em conta, nem demos a mínima para elas, e olhem só! Mas quando, santo Deus, eu poderia acreditar naquilo? Quando poderíamos acreditar nisso? E o resto do pessoal da filmagem? Será que estão bem? Será que ouviram o mesmo que nós e agora estão desesperados, correndo pela cidade tentando escapar do lobisomem numa fúria louca? Será?... Bem, depois os habitantes daqui podem dizer que nos avisaram... se houver depois. Eles SABIAM. Por Deus, todos eles sabiam... deve ser uma coisa antiga, passada de geração a geração... Meu Deus, então era por isso... nenhuma pessoa nas ruas, nenhum carro à vista, não há ninguém, não há nada... para onde vamos? Então era por isso! que devemos fazer? Que faremos? Que faremos?....
E à medida que corriam, sem um lugar definido para onde ir (já haviam se perdido por completo e o hotel onde pernoitariam era a última coisa em suas mentes), os uivos iam ficando cada vez mais regulares e mais fortes. Estava se aproximando. Podiam senti-lo se aproximando."

Trecho do conto "A Dinastia"


"William entrou na cripta escura.
A primeira coisa que sentiu foi o cheiro -– um cheiro meio empoeirado, meio de mofo, que fez o herdeiro lembrar de coisas há muito estagnadas, como pântanos, águas turvas paradas, flores mortas boiando na água, decomposição, pó. O ar que sentia, ali, era definitivamente pesado, e William também notou, quase imperceptivelmente por baixo desse odor embolorado, um cheiro
levemente acre e azedo característico das tumbas antigas, o cheiro que era esperado num lugar como aquele, o da natureza fazendo sua inexorável caminhada em direção à decomposição
e decadência: o cheiro da morte.
A idéia de corpos solitários deitados em caixões decompondo-se no escuro assustou-o, e William teve um arrepio.
Logo, percebeu também a magnitude do silêncio do lugar. Era um silêncio sepulcral, realmente sepulcral. Inspirava respeito, como que dizendo para o jovem: veja, isto aqui é o repouso final
de todos nós; tivemos uma vida, uma história, mas agora, estamos aqui, dentro desses frios blocos de mármore. Então, façamos silêncio. Na verdade, a partir do momento em que William
trespassou os pés das colunas de pedra e adentrou a cripta propriamente dita, era como se tivesse adentrado em um outro mundo, diferente daquele em que estava, cheio de movimento,
luzes e todo tipo de barulhos. Ali, deixara esse mundo animado para trás; agora, era aquele mundo, o mundo do mausoléu que contava, e, em segundos, passara de um lugar cheio de ruídos,
cheio de vida, para o silêncio lúgubre dos mortos, onde a areia do tempo escorria bem devagar, quase parando, o mármore frio tomava conta, fazia estremecer, e as lápides reinavam, contando
seus nomes e suas datas em voz grave. A música da festa cessou totalmente às suas costas. Agora, tudo ali era escuridão e silêncio, um silêncio tão grande que quase se poderia tocá-lo e rompê-lo.
Era o mundo do sepulcro que contava.
William sentiu a boca seca. Seus olhos não podiam enxergar nada, pois ainda não estavam acostumados à escuridão, mas ele decidira que talvez não gostaria de ver nada. Sua mente ébria
pelo álcool e pelo nervosismo que sentia dava voltas, e não gostaria de ir mais adiante, com medo de que ossos, ossos frios de austeros antepassados pudessem tocá-lo, e então ele morreria em cinco segundos, pois seu coração não agüentaria tamanha emoção, e com toda a certeza explodiria. Quase isto aconteceu, pois de repente uma mão fria saiu das trevas sepulcrais e tocou
seu ombro."

Esta é a Capa



Detalhes:

160 páginas
formato 14cm x 21cm, sem orelhas, plastificada
Quártica Editora
tiragem inicial de 150 exemplares

Aproveite antes que acabe! Mais detalhes em breve sobre o coquetel de lançamento. Dúvidas, enviar um e-mail para fernandoromano80@yahoo.com.br.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Bem-vindos



Frio.
Céu cinzento sangrando amargura, numa gélida madrugada de inverno. Os termômetros marcam exatamente 8 graus.
Já passa da meia-noite, e tudo à minha volta está escuro. E silencioso. Bem, quase.
Lá fora, o vento sopra e assobia... tenho medo de levantar os olhos e ver a janela. Não sei o que posso encontrar. O único som que escuto, além do vento, vem dos meus próprios dedos no teclado e do relógio que profere o seu tic-tac para a noite, e para ninguém em especial.
Lembro das sinistras palavras de um livro maldito:

"Você, que está lendo, saiba que os monstros engedrados da noite e suas criaturas noturnas existem.
Há esferas mais terríveis do que a morte.
Não está morto o que eternamente jaz."

Paro, e escuto. Será que ouvi algo vindo pelo corredor, atrás de mim? Não deve ser nada... Ou será apenas a minha imaginação, excitada pelas horas mortas e pelo vento que canta uma sinfonia inominável? Se eu levantar agora, ir até a janela que me encara silenciosamente e abrí-la, verei os túmulos, os mausoléus do cemitério. Frios monumentos dos mortos, aqui e ali, enterrados ao longo das décadas. Então, pensarei: "Será? Será que as criaturas da noite realmente existem? Ou os vultos, fantasmas, vampiros, seja lá como se chamem, não passam de doidas divagações de visionários? Ou será que tudo se termina ali, eternamente, naquelas tumbas onde as estátuas dos santos vigiam e as folhas secas das árvores caem?"
Mas, não faço isso. Prefiro ficar aqui e escutar, ver se aquele som que ouvi irá se repetir... apenas isso. É melhor. E por via das dúvidas, deixe-me já dar as minhas boas-vindas a você, leitor deste blog, antes que eu me vire e a criatura dos meus pesadelos que eu sempre soube que iria encontrar me arranque a cabeça e meu copioso sangue se espalhe pela tela. Bem-vindos!!...