segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Não nos deixam


Vai o sujeito alugar filmes de terror. Na cabeça, planos mirabolantes de uma sessão com pipocas, refrigerantes, risadas, sustos e a garota que ama do lado. Sai de casa esperançoso, o dia está frio, nublado, excelente para um filme de terror debaixo das cobertas. O vento gelado bagunça seus cabelos; ele para, arruma o penteado no método dez dedos e acende um cigarro, já de novo a caminho da locadora. As ruas estão vazias e silenciosas, e ele canta uma canção baixinho, esperando mentalmente as delícias de um novo filme, se tiver muito sangue e vísceras melhor, pensa ele. Olha para as nuvens por um instante, procura chuva, mas não há sinais de precipitação. E segue caminhando.

A locadora fica a alguns quarteirões, numa esquina. O sujeito olha para os dois lados antes de atravessar, mas não vem carros. Tanto melhor. Apressa-se, ansioso, apaga o cigarro e o joga num desse lixos de rua com um rápido movimento dos dedos.

Entra na locadora. Vai direto na seção marcada"Suspense", mas
o sujeito não tem pressa; é metódico. Por que eles insistem em colocar "Suspense" se os filmes são de Terror, medita ele, pensando em diferenças fundamentais. Olha título por título, e pretende alugar muitos filmes. Toneladas deles. Bem, pelo menos uns seis, para uma sessão madrugada adentro. Era o que adorava fazer.

Finalmente, ele se decide. Vai pegando as capas, dá uma olhada no resumo na parte de trás, e vai ajeitando-as sob o braço. Ele exulta discretamente, relanceia os olhos uma última vez para as prateleiras, vendo se não esqueceu de algum, e vai para o caixa com um leve sorriso nos lábios, a grana já no bolso. É só felicidade.

Lá, uma coisa o faz perder totalmente o sorriso e a vontade de diversão: a funcionária do caixa, com uma expressão de gerente de banco que não cede empréstimos, não permite o sujeito levar aquela batelada de filmes. O motivo? É a sua primeira retirada ali naquela locadora. Ele só poderá alugar Apenas Dois. Se quiser. O sujeito acabrunha-se, a sessão perdida, a pipoca e os refrigerantes distantes. Não é a mesma coisa. De maneira nenhuma. Nunca será. Bate a decepção.

Esse sujeito sou eu.

Em nenhum outro tipo de estabelecimento comercial você é restringido a comprar, na sua primeira estada. E também não devia ser em um lugar que você faz uma ficha com seus dados pessoais. Sim, eu sei que é uma questão de segurança, embora não entenda direito, pois um ladrão não se importaria de levar um e logo na segunda vez levar quantos quiser, já que para isso ele precisou fornecer informações, e mesmo que fossem falsas, a locadoria ficaria desfalcada de qualquer jeito. Sim, eu sei que é uma questão de confiança recíproca, você aluga pouco, você devolve, eles acreditam em você, e nada proíba que uma pessoa possa alugar muitos e não devolver na segunda vez.
E se é prestação de serviços, por que não prestam o serviço direito, autorizando o cliente a alugar quantos pequenos prazeres quiser? Além do mais, algumas lojas cobram os olhos da cara e você fica pouco tempo com os DVD's.

Eu sei de tudo isso. Mas mesmo assim é chato, oras.

Sei lá. Às vezes acho que faço uma tempestade em copo d'água. Que me irrito por pouco. Pode ser. Quem sabe.

Eu queria levar, mas não nos deixam levar quantos quiser da primeira vez. Eles lucrariam com isso, mas não deixaram.
Paciência. Eu só queria saber o porquê, um motivo mais razoável. Não gostei. Não gosto disso. Enfim. Vida que segue. Fui embora da locadora. No caminho de volta, a garoa cai.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esta locadora de fundo de quintal parece desconhecer uma máxima que existe no comércio desde a Babilônia antiga e prega que: O freguês tem sempre razão.
È revoltante se deparar com estabelecimentos que contratam funcionários sem o menor traquejo para lidar com o público e que colocam a desconfiança acima de tudo e todos.
Como o escritor bem citou em seu artigo: O que impede uma pessoa de retirar dois filmes na primeira vez e depois fazer um estrago no acervo da mesma?
Enquanto ações como esta forem uma constante, será dificil falar em combater a pirataria e proibir downloads ilegais.
Para piorar, o final do artigo salienta que começou a garoar, ou seja, o requisito que faltava para uma sessão de terror debaixo das cobertas. Lamentavel...

Fernando Romano Menezes disse...

De acordo, Boingo. É "osso"...